A IA pode substituir o trabalho de um estilista?
Essa foi a pergunta que um jornalista me fez há alguns anos. Minha resposta foi: depende do tipo de estilista.
De maneira simplificada, podemos separar a categoria em dois tipos: estilistas inventivos e estilistas bate-caixa.
Na categoria dos inventivos está, por exemplo, Marc Jacobs, que acredita que “as pessoas não sabem do que gostam, até você criar para elas” ou o Walério Araújo que desenhava os figurinos da Elke Maravilha e até hoje desfila a sua experiência com o mundo.
Também estão nessa categoria dos inventivos, os estilistas de empresas que fazem conexões inusitadas. Aqueles que conseguem antecipar sensíveis mudanças na cultura e aplicá-las com empatia. A maioria dos estilistas do mercado, no entanto, trabalha com uma visão restrita a números de vendas, estatísticas, conteúdos de reports de tendências e correm atrás do “core” que viraliza nas redes, ou seja, com dados. Em qualquer profissão onde apenas dados são a base para decisões, a máquina certamente será uma ameaça. A capacidade de modelos de inteligência artificial de gerir informações (pesquisar, comparar, analisar e gerar respostas) é muito mais rápida do que a de qualquer humano. A competição não pode ser por aí.
Isso a faz mais inteligente que humanos? Não.
Isso a faz mais rápida para resultados de venda? Sim.
Imagine que uma empresa tem todas as suas informações de venda bem organizadas no sistema. Sabe-se que camisas de seda vendem bem em junho. Também sabe-se que certos tipos de cores são mais populares para peças superiores. Alinhando essa informação da empresa com o fluxo de engajamento das redes por um determinado estilo, uma IA bem configurada pode cruzar as informações em minutos e gerar possibilidades de produto. (Isso de gerar as possibilidades de produto é o que chamamos de IA generativa). Caberá ao estilista selecionar as propostas - algo como o trabalho de um Buyer (comprador).
A pergunta que você deve fazer para o futuro da sua profissão (seja estilista ou outra coisa) é: você realmente trabalha com criatividade ou seu trabalho é recolher padrões sobre produtos com alta probabilidade de venda?
Quem é você na fila da moda? Você tem um pensamento autoral, algo único, ou você executa processos? Essa pergunta é capciosa, pois a maioria das pessoas se percebe como únicas. Infelizmente, na linha de produção do trabalho, poucas são insubstituíveis. A tentação de olhar apenas para assuntos úteis para a sua profissão é um dos grandes massificadores de pensamento. O dia-a-dia do trabalho é exaustivo, sua cabeça fica esgotada, ao terminar você só quer ser lobotomizado por um meme de gato ou sentir o veneno escorrer lendo uma fofoca barata. Quem nunca?
A má notícia é que essa exaustão é exatamente o que te torna, descartável.
MONOCULTURA DA MENTE
Tanto o estilista inventivo, quanto o bate-caixa (gente, esses são essenciais nos negócios!) podem se beneficiar usando novas ferramentas de IA. O inventivo não precisa aderir, pois não é a ferramenta que faz o artista; mas o estilista do resultado comercial, esse, necessariamente precisa começar a entender como trabalhar com gerenciadores de dados inteligentes. Apenas conhecer a ferramenta resolve? Não.
Existe um nome na economia para esse fluxo de apenas querer conhecer o que é confortável e útil no seu dia-a-dia: MONOCULTURA DA MENTE. Sem conhecer o funcionamento de outras áreas, seu processo fica cada vez mais automatizado. Sem elementos para cruzamentos, as soluções são mecânicas, nunca desviantes, contextualizadas. Esse é o momento em que a IA te substitui.
O "The Future of Jobs Report 2020" do World Economic Forum prevê que a IA substituirá 85 milhões de empregos mundialmente até 2025, mas também criará 97 milhões de novos empregos no mesmo período. Se isso se confirmar, você tem conhecimento das novas profissões criadas no mercado de moda com as novas tecnologias? Será que o seu trabalho seria pior usando essas novas ferramentas?
Há muitos, enormes, problemas a serem discutidos sobre IA, mas ela já está sendo treinada por nós, usuários das redes há mais de uma década.
Você não precisa ser um cientista de dados para saber sobre algoritmos, nem precisa saber 3D para trabalhar com o futuro da moda, mas certamente você precisa conhecer as bases desse novo sistema. A ética, as ferramentas, os fluxos, os profissionais, a realidade do mercado no Brasil. Pois achar que o que funciona nos Estados Unidos e Europa, a priori, funciona aqui, é um erro. Inclusive, é apenas entendendo os problemas dessas novas tecnologias que você poderá ajudar a evitar seus excessos.
Para terminar, segue parte de uma matéria do Business of Fashion de hoje:
Uma nova onda de startups está desenvolvendo ferramentas de IA generativa personalizadas para as necessidades específicas da moda, na esperança de tornar seus softwares parte do modo como os designers trabalham. Entre elas está a Raspberry, que acaba de arrecadar US$ 4,5 milhões em uma rodada de financiamento liderada por apoiadores de renome como a Khosla Ventures — o primeiro investidor externo da OpenAI, criadora do ChatGPT — e a Greycroft Partners, que já investiu em empresas como Goop e The RealReal.
"Somos realmente diferenciados em relação ao Midjourney, Stable Diffusion e DALL-E", disse Cheryl Liu, fundadora e CEO da Raspberry. "Os resultados são muito mais facilmente fabricáveis, atraentes e simplesmente coisas que você poderia começar a vender imediatamente."
Não é apenas a ferramenta, mas o seu entendimento do mundo que determina o caminho.
O CURSO
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O PODCAST
O conceito de 'Monocultura da Mente' da filósofa indiana Vandana Shiva discute a dificuldade de pessoas em se relacionarem com assuntos e perspectivas fora de sua área de conhecimento confortável. Diversificar assuntos para fora do seu tema de trabalho, seu conhecimento empírico, é essencial para desenvolver o famoso 'pensamento abstrato'. Por isso, quando trabalhamos com arte, moda, beleza, cultura, precisamos interagir com assuntos que aparentemente fogem do nosso círculo. No último episódio do nosso podcast, falamos sobre 'O FUTURO DO AMOR'. Parafilias, ficção científica, Muro de Berlim parecem longe do mundo da moda, mas constituem um mesmo sistema de construção simbólica e comportamento social que constrói novas estéticas. Venha viajar conosco.
Continue a conversa sobre CULTURA e TECNOLOGIA com o nosso podcast !
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