Por que você deveria estar triste em ver a SPFW diminuir?
Fomos ensinados a atacar tudo nas redes e não apresentar solução alguma.
Os algoritmos das redes nos ensinaram a jogar pedra. A cada revolta, mais visualizações. As soluções, no entanto, não existem. Reclama-se como se alguém tivesse que resolver o nosso problema, pensar por nós. Sem proposta e muita pedra, chegamos exatamente no lugar que o imperialismo tecnológico queria: a torre de babel. Cada um fala sobre a sua comunidade, suas dores, através de um conhecimento empírico. Nessa, ninguém se entende e o sistema cultural se fragmenta, o marketing identitário ajuda a enriquecer as grandes corporações e nada se resolve. O consenso, a possibilidade de flexibilizar para construir algo maior se esvai.
Sem proposta e muita pedra, chegamos exatamente no lugar que o imperialismo tecnológico queria: a torre de babel.
Luís XIV, o rei absoluto do século 17, e para muitos quem inaugurou o sistema de moda francês, soube usar a vaidade humana como ninguém. Para se manter no poder, criava intrigas na corte e com todo mundo se odiando, não havia possibilidade de união para fazer frente aos seus mandos e desmandos.
Queremos ver o mundo apenas a partir de nossa própria experiência. 'É a minha opinião…' Pois essa opinião pode não levar diversos problemas sistêmicos em conta e, se mantendo na “segurança” da superfície, não ajuda ou resolve nada.
Ver a maior semana de moda da América Latina perder sua força é uma triste constatação de que eles venceram. E quem são eles? Os novos “Luís XIV”. Todos os países e empresas que desejam que você seja mera audiência, consumidor dos seus costumes, funcionário da cultura alheia, nunca uma real ameaça.
Enquanto os 'fashionistas' jogam pedra no fato de a SPFW ter se resumido ao Iguatemi ou mesmo antes ao Komplexo, os mesmos se voltam como entusiastas da semana de moda francesa. Batem sua melhor palma e, para quem pode, investe grana para ser suporte de marca estrangeira.
Essa não é uma carta raivosa e purista, muito menos nacionalista. Eu trabalhei por 10 anos com uma empresa de moda francesa. Me relaciono com empresas do mundo inteiro e posso dizer, por experiência, que houve uma época que a moda brasileira abria portas. Causava inveja. Uma época em que as empresas não se trancavam em seus jardins privados, quando os atores do sistema se apoiavam. Precisamos voltar a esse equilíbrio. Vamos continuar a admirar Paris, pois é um trabalho de equipe fenomenal. Um time que se defende. Olhe para lá; no entanto, se preocupe em melhorar a situação aqui. Meia dúzia de brasileiros se dando bem no exterior, não é uma vitória coletiva.
Precisamos refletir. O que esse seu entusiasmo pela moda francesa lhe ajuda? Caso você não seja o Pavarotti, ou, no momento, a Karol Vitto, ninguém sabe que você existe.
Por outro lado, a SPFW há 30 anos dá oportunidade e dinheiro para as marcas nacionais se educarem, se aproximarem da indústria e se apresentarem nas passarelas. A SPFW criou inúmeros projetos de capacitação para marcas, exposições e intercâmbios. Ela esvaziou quando as grandes marcas nacionais decidiram que era melhor não se misturar… com quem? Com os novos talentos? Com os seus concorrentes?
Vamos pensar, o que a semana de moda de Paris fez por você? Deu ideias para copiar?
Paris, Milão e Londres são fortes porque se veem como um sistema. Tecelagem, confecção, concursos, feiras, faculdades, imprensa, museus, eventos de moda, tecnologia, política… eles entendem que um precisa do outro. Lembrando que os talentosos estilistas que desfilam são apenas uma parte da cadeia e serão sempre tão frágeis quanto a estrutura que os dá suporte.
Se você é um profissional da moda - de dono de empresa bem-sucedida a recém-formado - deveria estar muito triste ao ver a SPFW perder a força que já teve. Isso reflete a perda de força da moda nacional.
A moda nacional vai bem? Para quem?
Hoje, temos casos de sucesso concentrados nas mãos de muito poucos, e isso é muito ruim. Usando a palavra do momento, o sucesso precisa ser “democratizado”, mas isso não acontece apenas com bom design e sim com uma estrutura forte de base.
Nem tudo é tão simples quanto parece. Com o esvaziamento da SPFW ela foi vendida para o grupo árabe IMM. Desde 2018, 50,1% da semana de moda são geridos pela mesma empresa que faz Rock in Rio, Cirque du Soleil, Rio Open e UFC. Será que o objetivo nacional foi substituído pelo financeiro? Talvez. Mas, isso foi consequência de um processo de desestruturalização e afastamento de grandes marcas anos antes. Se brigar pela SPFW for brigar pela IMM, talvez tenhamos perdido a batalha. Isso não desqualifica, no entanto, o histórico de um grupo visionário e apaixonado que durante 30 anos lutou para colocar a moda brasileira no mapa mundial. E conseguiu.
Celebrar uma semana de moda é fortalecer um movimento coletivo, todo o sistema de moda de um país. Há problemas, sim. Devemos reclamar quando algo precisa melhorar? Claro. Mas isso deve ser feito de forma consciente, sem sermos marionetes dos novos 'Luís XIV'. Sem essa filosofia tecnocrática mimada de querer destruir tudo que existe apenas pelo desejo de prometer milagres. Criar coisas é mole, difícil é ter capacidade de mater. Se você realmente gosta de moda, procure entender minimamente o sistema. Crie propostas que ultrapassem seus interesses pessoais.
E, principalmente, não resuma sua vida a um ressentimento vazio. Pense melhor, desconfie das redes sociais e ajude a construir algo significativo.
AJUDE A REPENSAR O SISTEMA DE MODA NACIONAL
Todos nós amamos os criadores do momento, mas para eles existirem e se manterem, precisamos de profissionais empenhados em pensar a estrutura. Vamos?