A TECNOLOGIA VESTÍVEL
A moda do futuro vai muito além dos looks digitais. Saiba o que você ganha com isso e quando você deve se preocupar.
Para as tecnologias digitais, uma fronteira tem sido difícil de vencer. Os nossos sentimentos mais íntimos. Em um tempo onde os dados são os artigos mais valiosos do mercado, a capacidade de captar os mínimos detalhes é uma vantagem. Por isso, um dos grandes investimentos das BigTechs nos últimos tempos é a tecnologia vestível ou Wearables. Imagina quantas informações sobre você estão sendo perdidas nesse exato momento. A “nuvem” sabe o que você assiste, ouve, para onde vai, com quem se encontra e os assuntos que conversa. De acordo com o que você fala, curte, compartilha, a inteligência artificial te recomenda outros produtos do tipo - com a AI generativa, cria produtos adequados. Mas, ainda, na maioria dos casos, a empresa por trás do app precisa de uma ação sua. Apertar o play, avaliar, dar like, verbalizar um sentimento. Algumas informações estão sendo recolhidas sem o seu acionamento, celular captando a sua conversa, o GPS delatando seus itinerários, sensores captando dados biométricos como estrutura facial... mas imagina se as empresas pudessem ouvir o seu coração. Literalmente é isso que um SmartWatch faz.
Dados pessoais, como a frequência cardíaca, podem desvendar se você está animado, entediado, assustado, atento ou relaxado. Essas informações emocionais são extremamente preciosas, especialmente quando capturadas diretamente na fonte, sem filtros. Além do monitoramento cardíaco, dispositivos como câmeras e microfones vestíveis auxiliam no registro de nossas atividades diárias e emoções. Já contribuímos bastante para as empresas de tecnologia ao registrar e compartilhar nossas vidas nas redes sociais ou na nuvem. Contudo, mesmo que o celular seja uma extensão de nossas mãos, é necessário ativar a câmera para capturar momentos (o microfone, por outro lado, já funciona continuamente). Imagine, então, ter dispositivos e sensores embutidos registrando tudo que você vê, ouve, come, faz e sente, o tempo todo. De fato, um smartwatch pode ser um salva-vidas em situações de emergência, mas, em contrapartida, você fornece dados constantemente para quem controla esses dispositivos, atuando como um "espião" involuntário. Cabe a você decidir se a troca vale a pena.
Essa perspectiva se torna ainda mais intrigante ao considerarmos as estratégias das grandes empresas de tecnologia voltadas para o mercado da moda. Elas perceberam que não basta a funcionalidade; para se tornar um objeto de desejo, o produto também precisa ser estiloso e conferir status.
Até onde minha pesquisa me levou, a primeira colaboração significativa entre uma empresa de tecnologia e uma grife de moda ocorreu em 2006, quando a Prada se uniu à LG para lançar um telefone celular personalizado. As marcas afirmaram à imprensa que "desde o design até a interface do usuário, a LG e a Prada garantiram a perfeita fusão entre tecnologia coreana e design italiano".
Em 2012, Sergey Brin, cofundador do Google, apareceu na passarela com a estilista belgo-americana Diane von Furstenberg, ambos usando óculos de realidade aumentada. Brin ressaltou à imprensa "a importância da beleza, do estilo e do conforto para o Google Glass".
Angela Ahrendts, ex-CEO da Burberry, assumiu em 2014 o cargo de Vice-Presidente Sênior de Varejo da Apple, tornando-se a profissional de tecnologia mais bem paga dos Estados Unidos, com um salário anual de 83 milhões de dólares. Em 2015, ao lançar o Watch Series 1, a Apple iniciou sua primeira colaboração com uma marca de luxo global, a Hermès, parceria que continua até hoje.
Nesse mesmo ano, a jornalista americana Eva Chen tornou-se diretora de parcerias de moda no Instagram, trazendo décadas de experiência em comunicação de revistas de moda. Sua contratação foi um dos marcos mais bem-sucedidos na intersecção entre moda e tecnologia.
2015 também foi marcante para a união da moda com a tecnologia, quando a Google ATAP (Advanced Technology and Projects group) lançou o projeto Jacquard, visando "integrar a conectividade e funcionalidade de dispositivos inteligentes em tecidos, transformando roupas e acessórios em superfícies interativas". A Levi’s e a renomada estilista de alta costura tecnológica, Clara Daguin, foram algumas das colaborações de destaque nesse projeto.
MODA + TECH = FORMAS MAIS INTELIGENTES DE FAZER AS COISAS
Moda e tecnologia transcendem o conceito de status, abrindo caminho para processos mais eficientes e justos. É crucial discutir como as inovações tecnológicas podem revolucionar uma indústria tão problemática quanto a da moda. Com o passar do tempo, os volumes de produção aumentam, mas os processos industriais não acompanham essa evolução com a mesma velocidade. Desde questões sociais até impactos ambientais, atualmente dispomos de uma variedade de ferramentas tecnológicas capazes de tornar a produção têxtil mais sustentável e eficaz.
Por exemplo, a tecnologia blockchain oferece uma transparência sem precedentes na cadeia de suprimentos, enquanto a inteligência artificial promove uma produção mais precisa, reduzindo o desperdício e a acumulação de vestuário em aterros. Coleções digitais podem minimizar a quantidade exorbitante de protótipos descartados. O uso de CGI pode eliminar a necessidade de deslocamento de grandes equipes para sessões de fotos e filmagens, a realidade aumentada pode reduzir as taxas de devolução em compras online, e a realidade virtual pode identificar previamente problemas de layout e arquitetura em lojas físicas e franquias, evitando custos com reformas.
Este é um momento crucial para marcas, grandes e pequenas, buscarem abordagens mais inteligentes em criação, produção, comunicação, atendimento ao cliente e comercialização. Há um mundo de possibilidades com as novas tecnologias, mas, mesmo no universo da moda, a adoção de novas técnicas e processos muitas vezes não é priorizada, representando um desafio significativo tanto para a sustentabilidade de longo prazo das marcas quanto para o mercado nacional como um todo. Trabalhar com tecnologia não significa aceitar todas as novidades de maneira acrítica; é essencial ter consciência dos problemas que a tecnologia pode trazer sem, no entanto, ser resistente a tudo o que ela tem a oferecer.
O profissional desejado pelo mercado atual sabe identificar quando e como utilizar ferramentas tecnológicas que proporcionem ao negócio maneiras mais eficazes de se manter relevante. O mundo está em constante mudança, com novos desafios e tecnologias surgindo a todo momento. Marcas renomadas como Prada, Louis Vuitton, Gucci e Bulgari estão investindo continuamente em novas tecnologias para criação, gestão de dados, integração de varejo e comunicação. Um exemplo disso foi a formação do Aura Blockchain Consortium em abril de 2021, quando líderes da indústria de luxo global se uniram para promover o uso de soluções blockchain na indústria.
Para quem atua no setor de moda e beleza, entender o que é blockchain e estar por dentro das necessidades, expectativas e o público-alvo das marcas de moda é essencial. As ferramentas estão disponíveis; cabe a nós usá-las com inteligência para definir a tecnologia não apenas como um conjunto de técnicas e sistemas, mas como meios para facilitar e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Isso é vital, pois essas mesmas ferramentas podem ser utilizadas para fins escusos, exploração e enriquecimento pessoal na ausência de um planejamento mais nobre.
Embora a tecnologia possa parecer uma entidade onipotente e incontrolável, somos nós, seres humanos, que determinamos seu impacto na sociedade. A decisão de se milhões de empregos serão perdidos está nas mãos de pessoas reais. Apesar de moda e tecnologia parecerem campos distintos à primeira vista, profissionais que dominam ambos são altamente valorizados no mercado atual.
EQUILÍBRIO
O debate sobre tecnologia hoje gira em torno do equilíbrio. Conforme destacado pelo pesquisador canadense Bill Buxton, não é necessário que as tecnologias digitais estejam presentes em todos os lugares e a todo momento, mas sim onde sua integração traz benefícios reais para o ambiente e para a vida das pessoas. A adoção da tecnologia não nos levará a resultados promissores se não houver espaço para o analógico, para momentos de intimidade, para o inútil e para aquelas pequenas tolices que nos fazem sorrir secretamente. Em outras palavras, se o objetivo for monetizar cada segundo de nossa existência ou nos converter em máquinas de alta performance, estaremos perdendo o sentido.
Apreciar tecnologia não significa aceitar passivamente os excessos políticos e econômicos que vêm com ela. Admirar a tecnologia é encantar-se com a capacidade humana de enfrentar desafios e criar soluções inovadoras a partir da imaginação. Há uma necessidade urgente de profissionais qualificados e dedicados a aplicar conhecimentos técnicos no desenvolvimento de estratégias inteligentes que contribuam para a construção de sociedades mais justas. E você, está se preparando para se adaptar a este novo cenário profissional? Suas habilidades ainda são relevantes?
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