A MODA E AS TECNOLOGIAS IMERSIVAS

Nessa matéria e podcast da revista ELLE, a mentora do GMT Olivia Merquior, explica como Moda e Tecnologia se encontram para além das roupas digitais e como em 2022 a palavra METAVERSO já havia sido sequestrada.

A essa altura do campeonato você já deve ter ouvido falar de metaverso. Volta e meia tem alguém afirmando que o metaverso é o futuro da internet, ou surge a notícia de que uma marca de moda lançou isso e aquilo no metaverso. Até o Mark Zuckerberg mudou o nome da sua empresa, Facebook Inc., pra Meta.

Agora mesmo está rolando a Metaverse Fashion Week. Essa semana de moda virtual começou ontem, dia 24 e vai até domingo, dia 27, no Decentraland, que é um mundo virtual em 3D onde os usuários podem comprar seu pedacinho de terra online.

Aliás, o “terreno” no Decentraland onde vai acontecer a fashion week bateu o recorde de preço no metaverso: foi vendido por mais de 13 milhões de reais.

Mas o que é o metaverso, afinal?

Bom, então, antes de tudo, vale a pena a gente explicar um pouco de onde vem toda a ideia dessa internet 3.0, por assim dizer. Pense em uma mistura de distopia virtual com o jogo The Sims, onde a gente criava bonequinhos, trocava as roupinhas deles e interagia com nossos amigos.

O metaverso foi inspirado no livro Snow Crash, de Neal Stephenson, em que humanos interagem entre si por meio de avatares em um espaço virtual. E também na obra Jogador número 1, de Ernest Cline, que foi adaptada ao cinema por Steven Spielberg, onde era possível viver várias experiências dentro de diversos universos.

Bom, esse “novo espaço virtual” será um ambiente digital onde poderemos interagir, trabalhar, socializar, namorar, jogar, ver shows e conhecer novas pessoas, tudo isso sem sair de casa. Outro detalhe interessante de pontuar sobre o metaverso é que ele também tem a ver com tecnologias de realidade aumentada e realidade virtual.

Segundo Mark Zuckerberg, no metaverso você pode “se teletransportar instantaneamente como um holograma para chegar ao escritório sem necessidade de deslocamento, a um concerto com os amigos ou à sala da casa dos seus pais para saber das novidades”.

Você ainda não entendeu direito o que é o Metaverso? Não precisa se sentir mal. Tem muita gente que também não entendeu nada e tá falando muita besteira por aí. E quem diz isso e a Olivia Merquior, diretora criativa da Brazil Immersive Fashion Week, um evento imersivo e digital, onde várias marcas apresentaram suas coleções dentro de uma espécie de metaverso.

“A palavra metaverso, assim como NFT, eu sinto que ela foi sequestrada pelo mercado e alçada como uma grande oportunidade milagrosa dos negócios se reinventarem frente a crise econômica e política instaurada pela pandemia. Mas o que eu sinto também é que a maioria das pessoas tem se preocupado muito em entrar no metaverso – e eu to dizendo entrar no metaverso entre aspas – antes mesmo delas entenderem o que ele significa. Eu vejo que tem muita besteira sendo dita e feita por aí, mas felizmente há marcas apostando nesse novo ambiente a longo prazo, o que eu definitivamente acredito ser um caminho. O metaverso não tem uma porta, não é uma empresa, não é uma semana de moda e definitivamente ele não se resume aos games. Essa apropriação da palavra tem criado desgaste antes da hora. Eu gosto da definição de metaverso que diz que ele é um ecossistema de tecnologias que diluem as fronteiras entre experiências físicas e virtuais, criando um ambiente de realidades híbridas e desterritorializadas.”

Pois é, como disse a Olívia, tem muita marca doida pra entrar no tal do metaverso. Afinal, a gente sabe que aqui, no mundo físico, as roupas que usamos dizem bastante sobre nossa personalidade e identidade. E no metaverso não é diferente.

A Fashion Week do Decentraland, que a gente citou no começo do episódio, conseguiu reunir mais de 60 artistas, designers e marcas, entre elas, Dolce & Gabbana e Hugo Boss. Além de desfiles, palestras e muitas possibilidades de comprinhas, o evento vai ter até after parties.

E, para além dessa semana de moda, os exemplos das incursões das grifes nesse mundo virtual são vários.

A Lacoste acabou de disponibilizar para os jogadores de Minecraft 30 skins, como são chamados os looks virtuais e acessórios nos games. As skins reproduzem peças icônicas da empresa, como a famosa camiseta polo.

Demna Gvasalia também assinou looks da Balenciaga para o game Fortnite. E o Jardim Gucci, o espaço virtual da Gucci no jogo Roblox, já foi visitado por mais de 20 milhões de usuários.

Muitos outros grandes nomes da moda mundial já estão se movimentando para ganhar espaço por lá, criando lojas e experiências para quem já tem uma vida dentro do metaverso.

E um ponto que vale destacar é que nesse mundo virtual você não precisa se limitar a ter um avatar que reproduz as suas características físicas e o seu estilo no mundo físico. Dá pra dar aquela pirada e assumir a forma que você quiser. E esse é um caminho que pode ser bem interessante pra moda explorar. A Olívia Merquior fala um pouco disso. Merquior continua:

“Diferente desse metaverso dos gêmeos digitais, da simulação do real, a gente fala sobre experiências que amplificam a percepção estética que nós temos de nós mesmos. O metaverso é esse ambiente que você pode se apresentar socialmente como qualquer coisa. Você pode ser um deus mitológico, um animal, uma luz, você pode ter a idade que você quiser, o gênero que você quiser, criar raças que nunca existiram. Se no mundo real nós construímos nossa imagem social através dos acordos e protocolos da cultura de um país, de uma comunidade, de um centro, de uma periferia ou até levando em conta a influência de uma cultura global, no metaverso, nesse lugar sem fronteira e sem território, a gente tem que pensar que escolhas estéticas são essas que nós vamos adotar para construir nossa imagem social. Nossa imagem metasocial. E isso é uma coisa que eu vejo um interesse imenso, principalmente no campo da moda. A moda no metaverso, pra mim, é um lugar de novas experimentações estéticas. Então é um momento pra gente usar as ferramentas das tecnologias imersivas e da própria web 3 para ampliar a forma com que as marcas contam suas histórias, constroem suas narrativas, acessam a audiência, engajam e criam valor para sua marca. A moda no metaverso, pra mim, não deve ser pensada apenas como um 3d que simula um objeto real, uma roupa que existe ou uma NFT. É importante a gente experimentar essas coisas, conhecer, conhecer essas novas possibilidades, mas o mais importante pra moda ter relevância no metaverso é ser capaz de ampliar as ideias que atravessam seus objetos físicos. Então quando a gente pensa na roupa no metaverso, eu penso ela como um meio para experiências virtuais que afetem e expandam os nossos sentidos.”

Quando a gente analisa por esse lado, as possibilidades infinitas do metaverso são realmente empolgantes. Mas, vamos lá: após dois anos de interações sociais reduzidas à tela do computador e do celular por causa da pandemia, será que um novo mundo virtual é realmente onde as pessoas querem estar?

E mais: será que esse tempo todo dentro de casa, em frente da tela, sem interação física ou toque, não tem efeitos colaterais?

O psicólogo Emanuel Querino explica um pouco os danos que podem ser causados na nossa saúde física, mental e emocional ao engajar por tanto tempo nesse novo universo. Emanuel atua no desenvolvimento de inovações tecnológicas aplicadas à psicologia e à neuropsicologia.

“O impacto de ficar tanto tempo olhando para telas varia muito de acordo com a idade e o uso. Quando falamos de crianças pequenas, de 2 a 10 anos de idade, o impacto é mais biológico, pode afetar o desenvolvimento do sistema visual, a noção da criança de profundidade. Então, quando se tem uma criança muito pequena, o impacto se torna mais no desenvolvimento de habilidades. Na medida que essa criança vai envelhecendo, o impacto passa a se tornar mais relacionado ao que ela deixa de fazer na vida dela, presencial ou fisicamente, pra ficar gastando tempo na tela. Aos 4 anos de idade, uma criança está brincando com um brinquedo de montar, que ela tem que pegar na mão, rodar ele na cabeça dela, interagir com esse brinquedo… Se ela `gasta uma hora brincando com isso é o que se espera de uma criança dessa idade, mas se ela passar essa hora numa tela ela perde a oportunidade de desenvolver habilidades que são muito melhores desenvolvidas. Na medida que a criança vai desenvolvendo e vai entrando na adolescência, e a gente vai ficando adulto, o impacto das telas se torna mais prejudicial pelo tempo que é disposto de forma aguda, no sentido de que, no momento, ficar muito tempo aumenta o risco de dor de cabeça, o olho pode ficar mais seco, o impacto se torna ali momentâneo. Só que a lógica que a gente tem na infância ainda se aplica aqui. O tempo que a pessoa tá gastando assistindo uma série sozinha na Netflix, tudo bem isso acontecer se ela não tem mais alguma coisa pra fazer naquele dia, por exemplo sair com os amigos e socializar. Muito do que a gente pensa é muito mais o que poderia estar sendo feito que a pessoa tem interesse ao invés da tela. O que acontece muito hoje é que as pessoas estão deixando de experienciar coisas novas pra fazer coisas que são sempre dentro do mesmo dispositivo, isso cria nelas uma variedade de hobbies que não é tão boa, que é pequena e, por ser pequena, promove experiências menos ricas e por promover experiências menos ricas desenvolve menos e contribui menos pra pessoa se desenvolver em questões psicológicas e por aí vai.”

Segundo Emanuel Aquino, as consequências de ficar conectado tanto tempo são parecidas com o que a pandemia fez na nossa saúde mental e psicológica – só que em maior escala, já que não tem data para terminar.

“Eu acho que o metaverso e o trabalho vão ter um impacto muito parecido com o que a pandemia fez com a gente, que é empurrar condições de trabalho que seriam muito mais saudáveis se viessem naturalmente. Por exemplo, empurrar pessoas para o home office, levando em consideração que muita gente não estava adaptada e essa adaptação tem que vir de forma natural. O que acontece hoje, por exemplo, é que muitas pessoas durante o período da pandemia não souberam diferenciar trabalho de vida pessoal. Antes era vou trabalhar e não trazia trabalho pra casa. Se eu trabalho em casa, em que momento eu não trago esse trabalho? O metaverso vai fazer mais ou menos o mesmo efeito, só que agora de forma diferente, no sentido de que se eu me conecto com o metaverso, eu estou automaticamente me conectando num ambiente que pode ser tanto diversão quanto trabalho quanto vida pessoal. Eu não sei muito bem diferenciar uma coisa da outra. Até que ponto eu posso me desligar do trabalho? Será que simplesmente tirar minha conexão do metaverso vai resolver isso? Será que eu consigo fazer isso? Então isso permite às pessoas que estão trabalhando serem mais controladas, porque ficou muito mais fácil você monitorar elas. Se eu estou naquele ambiente, eu sei exatamente se a pessoa tá trabalhando ou não, consigo ver a produtividade dela. As relações de trabalho vão mudar e, sendo bem sincero, eu não sei se isso vai ser tão bom pras pessoas porque, de novo, essa conexão com o trabalho e a vida pessoal está se tornando cada vez mais difícil de identificar o que é o que.”

E, voltando à questão da moda: para além dos danos psicológicos causados pelo tempo de tela, vale dizer que esse nosso mercado depende muito de toque, de texturas, de sensações. Esse tipo de experiência, pelo menos até agora, é impossível de ser traduzida no metaverso – e é delas que saem algumas de nossas memórias mais importantes.

Fato é que as marcas precisam ficar ligadas nas inovações, claro, mas sem deixar de lado o artesanal, o ancestral, e tudo o que fez a moda se tornar o que ela é hoje. Na frente de um computador, parece que muita coisa se perde, né?

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OLIVIA MERQUIOR, CRIADORA DA BRIFW, IMPULSIONA DISCUSSÕES SOBRE TECNOLOGIA E MODA