Dries deixou sua própria marca. Se aposentar é um luxo na moda.

Em tempos de luta para inclusão de idosos no mercado de trabalho, eu me pergunto: Será que um dia eu poderei me dar o luxo de Dries?

Nesta semana me deparei com vídeos de jovens talentos e influenciadores convocando seus seguidores ao “Trabalhe, trabalhe, trabalhe que você vai chegar lá”.

Virou moda defender o sacrifício: 

→ “Eu lutei muito para estar aqui. Deixei de sair com meus amigos, economizei na comida, passei noites em claro. Mas eu cheguei.” 

→ E aí, agora que vc chegou, dá para parar de lutar? Tá dormindo bem? Tem tempo de ficar com os amigos? Faz sexo regularmente?

Pessoas com influência nas redes convocam seus seguidores a se sacrificarem em nome de seus sonhos.

Mas qual é o sonho? 

Esse discurso é o paraíso de um sistema que nos consome e nos substitui na rapidez de um feed. Por isso, o importante, assim como está fazendo a 1 Granary, é acender as luzes para enxergar que a o salão da boate precisa de uma boa arrumação. Que tal a gente começar a brigar pelo nosso descanso, pelo tempo de ócio criativo? Que tal a gente não transformar cada centímetro da nossa intimidade em ne-otium (negação do ócio)?

A revista digital 1 Granary realmente tem me surpreendido. Com artigos que tentam colocar o pé da galera da moda na realidade, eles têm questionado o sistema construído a partir das redes sociais e seus algoritmos. Essa semana, houve a entrevista com a lenda belga Dries Van Noten e eu traduzi aqui alguns trechos importantes. Nem tudo o que ele fala serve para a gente no Brasil. A realidade da Antuérpia e mesmo de Paris é muito diferente dos nossos desafios locais. Viver em um país sem violência como a Bélgica e com serviços públicos garantidos leva a conversa para outro viés. Porém, há muito na entrevista para refletir.

Se você não sabe quem é DVN, conheça os 6+1 da Antuérpia.

A Bélgica era apenas um país espremido entre França e Alemanha. Ser belga no cv de moda e nada, dava no mesmo. Até que o sistema nacional se organizou e resolveu virar um celeiro de novos talentos. Já ouviu falar de Glenn Martens, Haider Ackermann, Demna Gvasalia? Todos saíram de um lugar que um dia foi o “resto” do mundo da moda.

DRIES VAN NOTEN: COMO REALIZAR 100 DESFILES


"Por favor, saia desse sistema: eu tenho que fazer um desfile de moda, Anna Wintour tem que estar na primeira fila, Tim Blanks tem que escrever uma boa crítica, e agora eu sou um designer estabelecido. Isso é uma pena. Por favor, tente encontrar outras coisas." - Tendo vivenciado quase seis décadas de moda, Dries van Noten certamente sabe do que está falando.


O que tem passado pela sua cabeça esses dias?

Atualmente, estamos vivendo um período estranho. Não é uma época muito divertida, considerando tudo o que aconteceu em Paris, Bruxelas e a direção que o mundo está tomando... nunca vivenciei isso. A direção que a moda está seguindo também me preocupa. Sempre acreditei na criatividade pura, e agora tenho a impressão de que as entregas estão se tornando mais importantes do que a criatividade. Como pessoa, estou feliz, e meu negócio está indo extremamente bem. Estamos crescendo de uma maneira saudável, então não tenho preocupações nesse aspecto; tenho uma equipe criativa muito boa. É o mundo que está um pouco estranho, e claro, como designer de moda, você sempre tenta reagir ao que está acontecendo. Muitas vezes, as roupas ajudam a contrabalancear um pouco.

Por que você acha que a indústria atual não é divertida?

Para mim, as roupas são algo que você realmente faz com o coração. Você dá o seu melhor para criar algo em que acredita, mostra isso e espera que a reação seja boa. Para fazer peças especiais, as pessoas precisam saber que você, como designer, vai assumir riscos. Algumas vezes não vai dar certo.

Se a imprensa não existisse, você faria algo diferente?

Acho que a imprensa é muito boa e importante, mas acho que, por enquanto, ela entrou um pouco em excesso. Com todas as mídias sociais e novas possibilidades, tornou-se algo realmente agitado e estranho. Eu leio o Business of Fashion todos os dias, mas meu coração sangra toda vez que ouço *ping*: "Notícia de última hora, Hedi Slimane deixa a Yves Saint Laurent." Isso se torna mais como uma imprensa de fofocas. Talvez muitas pessoas gostem de Gigi Hadid, mas agora é tão importante que Gigi Hadid esteja no Vogue Runway a cada dois dias? Isso é 'moda'? Para mim, moda é algo mais nobre do que as dicas de maquiagem de Kendall Jenner. E oh! Eles mudam a cor do cabelo! Grande notícia!

Até mesmo os estudantes se sentem estressados com as perspectivas da indústria, pois veem muitos designers 'falhando'.

Eu digo, cuidado para não tropeçar no seu grande sonho: estar na passarela. Com a ajuda da London Fashion Week, por exemplo, fazer um show rapidamente pode se tornar uma realidade. Eles ajudam muitos jovens. Mas também é às vezes perigoso, porque fazer um desfile de moda e uma coleção não é difícil. A segunda também não é tão difícil porque você ainda recebe apoio da sua família, amigos e todos querem trabalhar de graça. Há clientes, eles estão entusiasmados. A terceira temporada já está ficando mais complicada, porque você está ficando cansado; você tem que se concentrar em fazer uma nova coleção enquanto resolve problemas de entrega ou problemas organizacionais das duas primeiras temporadas. Seus amigos estão ficando entediados de não te verem muito mais. Eles também estão ficando um pouco irritados porque nunca são pagos, e agora também querem ganhar algum dinheiro.


A terceira e quarta temporadas são sempre as mais difíceis.


Tim Blanks uma vez disse que a única certeza sobre você estar em alta é que em breve você estará em baixa. Como você acha que uma marca pode realmente permanecer relevante?

Não se torne muito popular, eu acho. Leve seu tempo e construa uma estrutura onde você não dependa se a imprensa lhe acha incrível ou não. Acho que isso é importante. A imprensa pode te fazer e te destruir. Você tem que construir uma estrutura para que eles não tenham esse poder. As nossas coleções mais vendidas são, na maioria das vezes, as que a imprensa não gosta. Acho que essa é a prova, e agora podemos falar sobre trinta anos de experiência. Houve uma temporada em que a imprensa realmente não ficou muito feliz com o que entregamos, e também os clientes não a compraram bem. Foi uma coleção que para mim ainda é uma das minhas favoritas: a coleção sobre Francis Bacon [Outono 2009] com todas aquelas cores muito estranhas, para as quais Suzy Menkes inventou um novo nome de cor: 'camarão podre'. [Risos]

O que mais você ensina para esses estudantes que estão chegando?

Primeiro eu explico a eles sobre o negócio do meu pai e avô, como me apaixonei pela moda. Como me construí com o Antwerp Six através do concurso Golden Spindle. Explico um pouco dessa história e que foi um tempo extremamente excitante para nós, porque como um cara mais velho, às vezes reclamo que a moda se tornou chata. Também digo a eles que o tempo entre o festival de Woodstock e o punk foi exatamente sete anos. Quando você vê os últimos vinte anos, não mudou realmente muita coisa...

Explico a eles que em 75 foi o início da moda italiana: Versace e Armani estavam surgindo, o que era chocante na moda. Você agora pensaria 'sério? chocante?', mas era linho, couro e logotipos na moda masculina. Era uma maneira completamente diferente de se vestir. Um ano depois você tinha Montana e Mugler, depois disso você tinha Gaultier; então Katharine Hamnett, que era super empolgante porque ela combinava moda, roupas esportivas e vestuário diário. Depois disso, vieram os japoneses: Yohji Yamamoto e Comme des Garcons chegaram a Paris. Tudo isso em poucos anos. Crescemos entre o punk e os novos românticos. Para nós, isso foi um tempo super motivador. Para descobrir o que Vivienne Westwood estava fazendo, você precisava ir a Londres para comprar uma i-D ou The Face magazine, festar em algum lugar em um clube e ir a um show do Bow Wow Wow. Nós não tínhamos um computador para clicar e ver o que estava acontecendo com Adam Ant, não, você tinha que procurar por isso. A busca às vezes também te empurrava para ser mais criativo, o que era bastante bom e interessante. Você também fazia suas próprias interpretações, porque às vezes você não sabia o suficiente.

Agora, os designers emergentes também enfrentam muitas coisas difíceis, porque há muita moda. Há muito de tudo, mas também há muitas oportunidades. Acho que é mais um desafio pegar a oportunidade certa, surpreender as pessoas, encontrar um ângulo que seja surpreendente. Acho que há, dessa forma, muitas coisas para os jovens fazerem.

Com os jovens designers que se tornam parte da sua equipe, até que ponto você pode empurrá-los para algo? Você sente que precisa estar lá para eles como um mentor?

Tem que ser uma combinação de tudo. Acho que às vezes você tem que ser mais como um pai ou uma mãe, que pode empurrar, ajudar, dar uma bronca... Mas sempre com a intenção de olhar para o futuro, acho que isso é especialmente importante. Você precisa ser estimulado. A moda pode ser dura, e a maioria dos designers de moda tem um lado sensível. Isso tem que ser protegido. Queremos ser confrontados com a realidade e quero ser duro, mas às vezes também preciso de apoio e um ombro para ajudar, empurrar e me estimular.

Como você continua crescendo pessoalmente?

Sou uma pessoa muito curiosa. Acho que, para uma pessoa criativa, uma das coisas mais importantes é ter as pessoas certas (de mente aberta) ao seu redor. Eu procuro pessoas que possam ajudar, surpreender e chocar-me.

A personalidade das pessoas com quem você trabalha é tão importante quanto o trabalho delas?

Sim, porque você não trabalha junto com o trabalho delas, você trabalha junto com a pessoa. Acho que elas devem ser pessoas que amam a vida, que se divertem na vida. Às vezes você tem pessoas incrivelmente criativas, mas elas não são agradáveis para trabalhar. Então, para mim, é importante que elas sejam realmente pessoas divertidas – isso também me estimula, e eu preciso muito disso. Mesmo quando não fazemos pré-coleções, há muito input criativo que precisa ser feito – cada tecido, detalhe, bordado, sapato, tricô, camiseta: há muitos produtos que temos que fazer. Dessa forma, você tem que dizer todas as manhãs: “Ok, começamos um novo dia, e vou ficar muito feliz em ver minha equipe criativa novamente.”

Matéria completa na 1 Granary

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