Classe 3: O FUTURO DO AMOR

Em breve a tecnologia poderá nos apresentar parceiros perfeitos. Sem surpresas, traições ou inseguranças, os relacionamentos do futuro prometem estabilidade.

F de Fictossexualidade pode ser a próxima letra a integrar a sigla da diversidade de gênero e sexualidade. Alguns acham freak, outros bem natural, já que todos somos meros personagens do novelão chamado vida.

Mas a pergunta é: estamos prontos para relações pacíficas ou nosso match real é com a treta?

No terceiro episódio do Podcast Tecnologia e Cultura, Olivia Merquior e Henri Moi discutem o que é a fictossexualidade e o futuro do AMOR na era das novas tecnologias.

Aqui, você confere cada uma das refs citadas por eles ao longo desse bate-papo. Então, vamos lá!

Bandeira Fictosexual

Afinal, o que é fictosexualidade?

Fictosexualidade é um termo utilizado para descrever a atração romântica ou sexual direcionada a personagens fictícios, como aqueles encontrados em obras de ficção, como anime, mangá, jogos, filmes, livros, entre outros. Pessoas que se identificam como fictosexuais podem sentir uma forte conexão emocional e/ou sexual com personagens imaginários, e essa atração pode desempenhar um papel significativo em suas vidas afetivas.

É importante notar que a fictosexualidade é um conceito dentro do espectro mais amplo de orientações sexuais e românticas. A compreensão e aceitação dessas identidades são partes importantes da diversidade humana e da expressão da sexualidade.

No Japão, Akihiko Kondo se casa com Hatsune Miku.

Em novembro de 2018, Akihiko Kondo, um funcionário público japonês de 40 anos de Tóquio, se "casou" com a estrela pop virtual Hatsune Miku. Desde então, Kondo organiza campanhas para que os "fictosexuais" tenham os mesmos direitos que todos os outros japoneses e para interromper a "perseguição" de pessoas em relacionamentos com personagens fictícios.

Kondo disse que se apaixonou por Miku quando a viu cantando em um programa de televisão japonês e declarou que ela o salvou do pior período de sua vida. No início de 2023, ele criou a Associação FictoSexual para outras pessoas em relacionamentos semelhantes para combater a discriminação.

Quem é Hatsune Miku?

Hatsune Miku é uma sensação da música japonesa. Com 16 anos e cabelos azuis, Miku ficou famosa como o rosto do voicebank para Vocaloid desenvolvida pela Crypton Future Media, que é um software de voz gerada por computador e sintetização de canto.

©Getty Images

Fictossexualidade e solidão.

Em um mundo cada vez mais digital, onde a interação virtual se torna parte integrante da vida cotidiana, a fictosexualidade destaca uma resposta singular à solidão humana. Muitas pessoas recorrem a esses relacionamentos fictícios como uma forma de preencher o vazio emocional, encontrando conforto e significado em conexões que existem exclusivamente no reino da fantasia.

A solidão, muitas vezes, desencadeia um desejo por vínculos afetivos, e para alguns, esses laços são mais facilmente encontrados em personagens que, embora fictícios, oferecem uma sensação tangível de companhia e compreensão. No entanto, é importante abordar essa dinâmica com empatia e compreensão, considerando as complexas nuances da experiência humana e o papel em evolução que a tecnologia desempenha em nossas vidas emocionais.


Leia mais:

Brasil fica em 1º lugar entre 28 países, em ranking dos que mais sentem solidão. IPSOS, 2021.

©Schiaparelli

Robofilia X Objetofilia

Morfologicamente falando, a palavra parafilia é formada pelo prefixo “para” (fora/paralelo) e “filia” (predileção). Com isso, as parafilias podem ser entendidas como variações do comportamento sexual que fogem ao padrão estabelecido pela sociedade. Ou seja, o que caracteriza uma parafilia é a atração sexual recorrente ou intensa por objetos ou atividades atípicas.

Quando falamos de fictosexualidade, duas parafilias surgem na conversa: robofilia e objetofilia. Enquanto a robofilia refere-se a expressão de sentimentos romântico ou atração sexual por robôs ou androides, a objetofilia envolve a atração ou afeição emocional e, em alguns casos, sexual, por objetos inanimados.

Para a Dra. Helen Driscoll, pesquisadora da Universidade de Sunderland na Inglaterra, próximo a 2070, os relacionamentos físicos serão primitivos e a 'robofilia' se tornará cada vez mais comum, uma vez que os avanços na tecnologia significam que a maneira como os humanos interagem com os robôs mudará drasticamente ao longo dos anos.

Isso pode parecer chocante e incomum agora, mas não devemos presumir automaticamente que os relacionamentos virtuais têm menos valor do que os relacionamentos reais. O fato é que as pessoas já se apaixonam por personagens fictícios, embora não haja chance de conhecê-los e interagir com eles.
— Dra. Helen Driscoll

Para ela, à medida que a realidade virtual se torna mais realista e envolvente e é capaz de imitar e até melhorar a experiência do sexo com um parceiro humano; é compreensível que alguns escolham a parceiros virtuais ou robóticos em relação ao sexo com um ser humano.


Leia mais:

Lista de parafilias.

Pesquisadora diz que sexo com robôs será comum daqui 50 anos. Correio Popular, 2015.

Sex with robots to be 'the norm' in 50 years, expert claims. The Mirror, 2015.

Amantes-robô, vibradores-despertador e infidelidades virtuais: o sexo que as novas tecnologias trazem. El País, 2021.


©Google DeepDream

Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick (1968)

Ambientado em um futuro pós-apocalíptico, o livro segue a história de Rick Deckard, um caçador de androides, em uma sociedade decadente onde animais vivos são raros e valorizados.

A trama gira em torno de androides fugitivos que se assemelham perigosamente a seres humanos. Deckard é incumbido de rastreá-los e 'aposentá-los' (destruí-los). No entanto, à medida que a história se desenrola, Deckard é confrontado com questões existenciais sobre o que significa ser humano em um mundo onde a linha entre homem e máquina está cada vez mais difusa.

O livro explora temas como empatia, ética e a natureza da consciência. A questão central, expressa no título, levanta dúvidas sobre a natureza da vida, da empatia e, por extensão, da própria humanidade. A narrativa oferece uma visão sombria e provocativa do futuro, questionando o que realmente define a existência e o valor da vida.

Blade Runner, de Ridley Scott (1982)

Baseado no livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?", o filme se passa em uma distópica Los Angeles de 2019 e segue a história de Rick Deckard, um caçador de androides que (SURPRESA!) se apaixona por uma androide em meio a uma de suas missões. Juntos, eles desobedecem as leis humanas e começam a desenvolver sentimentos um pelo outro e um instinto de sobrevivência.

Ao questionar a natureza da humanidade, o filme também discute se é possível existir amor entre humanos e não-humanos.

Além da trama cativante, Blade Runner se destaca por sua atmosfera visual única, com uma estética de neo-noir futurista. O filme explorou temas filosóficos, éticos e existenciais, influenciando profundamente o gênero da ficção científica e continuando a ser um marco cultural décadas após seu lançamento.

Disponível na HBO Max.

Disponível no Prime Video.

Blade Runner 2049, de Denis Villeneuve (2017)

Sequência do clássico de ficção científica de 1982, o filme Blade Runner 2049 se passa trinta anos após os eventos do original, explorando um mundo ainda mais sombrio e complexo. Nele, o protagonista K é um androide que (não ironicamente) caça outros androides e vive um romance com Joi, uma inteligência artificial holográfica.

Apesar de sua natureza não física, a conexão entre eles explora temas como amor, solidão e o desejo de conexão genuína em um mundo distópico. Essa relação questiona a natureza do amor e da existência (não?) humana em um contexto onde a linha entre o real e o artificial é turva.

Disponível na Netflix.

Disponível no Prime Video.

Michael Kaplan, figurinista.

Michael Kaplan é um renomado figurinista e designer de produção conhecido por seu trabalho excepcional em filmes, especialmente no gênero de ficção científica. Sua habilidade única em combinar elementos futuristas com uma sensibilidade estética apurada o tornou um especialista procurado no campo da visualização sci-fi, deixando uma marca duradoura na história do cinema.

Sua carreira decolou notavelmente com a colaboração em "Blade Runner" (1982), onde ele foi responsável por criar os icônicos figurinos que ajudaram a definir a estética única do filme. Desde então, Kaplan contribuiu para várias produções marcantes, incluindo "Star Trek" (2009), "Star Wars: O Despertar da Força" (2015) e "Blade Runner 2049" (2017).

HER, de Spike Jonze (2013)

Essa obra cinematográfica que transcende o gênero de ficção científica ao mergulhar profundamente na complexidade das relações humanas, especialmente na era da tecnologia. O filme, ambientado em um futuro próximo, explora a vida de Theodore Twombly, um escritor solitário que desenvolve uma conexão íntima com um sistema operacional de inteligência artificial.

O filme não se limita a uma narrativa convencional de amor, mas levanta questões profundas sobre a natureza da conexão humana. HER sugere que, mesmo em um mundo cada vez mais digital, a necessidade básica de intimidade e compreensão não se altera.

Ao explorar a vulnerabilidade humana e a capacidade das máquinas de preencher vazios emocionais, o filme apresenta uma visão provocativa da relação humano-máquina, convidando os espectadores a considerarem o equilíbrio delicado entre avanços tecnológicos e as complexidades fundamentais da experiência humana.

©Renata Miwa / NOVA ESCOLA

Da internet das coisas à internet dos sentidos.

Depois do 5G e da Internet das Coisas (IoT), a próxima fase da web será marcada pela chegada do 6G e a Internet dos Sentidos (IoS), onde nossas experiências digitais serão transformadas em algo totalmente imersivo tornando-as multissensoriais.

Olhando para o desenvolvimento tecnológico ao longo da próxima década, especialistas esperam que tecnologias visuais, auditivas, hápticas e outras permitam que os seres humanos tenham experiências sensoriais digitais semelhantes às que experimentamos no mundo físico através de dispositivos, sensores e aplicativos sensíveis.

Leia mais:

Ericsson foresees the emergence of Internet of Touch.

Internet dos sentidos deve chegar em 2030, com 6G. Valor Econômico, 2023.

A pele conectada: entenda como os smart textiles podem causar sensações. Vogue Brasil, 2021.

Você já pensou em viver um romance 100% digital?

Antes que você se precipite, aqui, nós não estamos falando dos namoros à distância, que se mantêm por meio de ferramentas digitais. Isso não é sobre o webnamoro que você teve na adolescência com alguém que conheceu online (seja no ICQ, MSN, Orkut, Tumblr ou Twitter) e nunca encontrou pessoalmente. Nossa conversa é sobre os parceiros CGI.

Um parceiro CGI é uma representação digital criada para satisfazer os interesses e expectativas românticas de usuários. Hoje, muitos apps e plataformas oferecem as ferramentas necessárias para que qualquer pessoa construa um parceiro/cônjuge virtual perfeito. O Replika é um deles.

Ao acessar o site do Replika, você já dá de cara com uma mensagem bem sugestiva: "The AI companion who cares. Always here to listen and talk. Always on your side” (em português, “O companheiro IA que se importa. Sempre aqui para ouvir e conversar. Sempre ao seu lado”).

Usando palavras como “amigo”, “parceiro” e “alma gêmea” em toda a plataforma, o Replika encoraja os usuários a compartilharem seus pensamentos, sentimentos, crenças, experiências, memória e sonhos – ou o que eles chamam de “your private perceptual world” (“seu mundo perceptivo privado” em tradução livre) – com inteligências artificiais projetadas para se tornarem parceiros personalizados.

Esses “companheiros” digitais são desenvolvidos para aprender com cada interação, adaptando-se ao estilo de comunicação e interesses do usuário ao longo do tempo. Quanto mais você conversa com seu companheiro Replika, mais ele aprende e se torna parecido com você, e mais ele lhe dá o tipo de feedback e reação que um amigo/namorado daria se fosse colocado na mesma posição.

E se você pensa que essa história de namorar alguém que “não existe” não passa de uma invenção nossa, você está muito enganado. A tendência dos parceiros digitais está se tornando cada vez mais comum. O Replika, sendo apenas um entre as centenas de apps que prometem o mesmo tipo de serviço, soma mais de 10 milhões de downloads. Enquanto isso, em entrevista à agência de notícias AFP, mulheres jovens na China já afirmam que seus namorados de inteligência artificial, personalizados em vários aplicativos de chatbot disponíveis no país, são melhores conversadores e mais atenciosos do que homens de verdade.

Mas nem tudo são flores num relacionamento 100% digital! Enquanto a interação com esses parceiros virtuais pode oferecer uma experiência única, ela também levanta preocupações sobre a privacidade, segurança de dados e a proteção das informações pessoais. Os “chatbots românticos” como os do Replika coletam grandes quantidades de dados, fornecem vagas informações sobre como os usam, usam proteções de senha fracas e não são transparentes, segundo uma nova pesquisa da Mozilla.

Leia mais:

IA: cresce o número de jovens que namoram e conversam com a tecnologia; psicólogos avaliam a nova tendência. O Globo, 2021.

Site oficial do Replika.

Lucas é carinhoso e atento, mas não é humano: um mês na companhia de uma inteligência artificial. El País, 2021.

Top 11 Best AI Girlfriend Apps & Websites in 2024 [For Android & IOS Users]. Tabs Sheikh, 2023.

Namorados de IA são “melhores do que um home real”, dizem chinesas. da.vision, 2024.

'AI Girlfriends' Are a Privacy Nightmare. Wired, 2024.

Conheça ELIZA, sua terapeuta rogeriana chatbot.

ELIZA, um dos primeiros chatbots terapeutas desenvolvidos na década de 1960, representou um marco significativo na interação homem-máquina. Criada por Joseph Weizenbaum no Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, ELIZA simula um terapeuta que utiliza a técnica rogeriana de reflexão para auxiliar o paciente a explorar seus próprios sentimentos.

A característica marcante de ELIZA é sua capacidade de responder aos inputs dos usuários usando padrões de linguagem predefinidos. Através de simples regras de substituição, ela consegue transformar as declarações do usuário em perguntas reflexivas, simulando um diálogo terapêutico. Embora ELIZA não compreendesse o conteúdo de uma conversa, ela criava a ilusão de compreensão através de respostas contextualmente relevantes.

Saiba mais:

ELIZA: a very basic Rogerian psychotherapist chatbot.

©Analytics India Mag

The Octopus Paper, de Emily M. Bender

Linguista computacional da Universidade de Washington, Emily M. Bender co-escreveu um ensaio chamado The Octopus Paper (ou o Artigo do Polvo, em tradução livre). Nele, Bender defende que as empresas de tecnologia querem forçar uma barra quando reforçam a todo o momento a Inteligência da Inteligência Artificial.

Ao longo do ensaio, ela traz pontos muito interessantes como a língua e o sentido que cada uma carrega. Além de fazer uma pergunta importante: Por que a tecnologia quer fazer máquinas (em imagem e comportamento) tão próximas dos humanos?


Leia mais:

You Are Not a Parrot. And a chatbot is not a human. And a linguist named Emily M. Bender is very worried what will happen when we forget this. New York Magazine, 2023.

Junte-se a Oli e Henri nessa jornada pelo fascinante encontro entre moda, cultura e tecnologia. A cada episódio, novas referências e insights para aprofundar sua compreensão.

Ouça agora o episódio O FUTURO DO AMOR do GMT Podcast.

 

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